terça-feira, 31 de março de 2009

um homem velho me parou na esquina e me olhou no olhos.
meu mal urbano me fez pensar que ele ia me assaltar, mas não.
- diga, senhor.
- só o acho interessante de olhar.
- desculpe, estou atrasado... e tentei sair. ele muito rápido, volta a minha frente.
- me deixa te olhar mais um pouco.
- olha, eu tenho mais o que fazer. dá licença?
- toda... e eu continuo andando. alguns passos a frente dou uma leve olhada para trás e vejo que o homem ainda me olha. paro. respiro fundo e dou a volta. vou até ele.
- diga o que o senhor quer? é dinheiro?
- não, meu filho. só quero te ver um pouco.
aquele homem me inquietava. não olhava-me com olhos de ganância nem de sexo. observava meus olhos.
- senhor, diga logo o que quer!
- quero só te ver mais um pouco, além do que você mostra pra todo mundo. mas vc não deixa, não é?
- como assim? o senhor não está me vendo aqui parado na sua frente.
- você não deixa ninguém te ver, não é?
- senhor...
mais pra frente um amigo grita meu nome.
- desculpe, tenho que ir... e saio. confuso.
já ao lado do meu amigo.
- aquele velho é louco. te parou perguntando se podia te ver, não foi?
- foi...
- é, ele tá fazendo isso com todo mundo aqui. louco.
e seguimos o nosso caminho.

outro dia, em casa, me olho no espelho, embaçado, após fazer a barba e lavar o rosto. a lembrança do velho me atinge abruptamente.

"você não deixa ninguém te ver, não é?"

pois bem, senhor: nem eu me vejo claramente.


- um presente pra você.
- nossa! que dia é hoje, eu esqueci alguma data importante?
- não. só quero te dar um presente.
- tudo bem. cadê?
- aqui...
- tão pequeno assim... não estou querendo dizer que tamanho importa. mas é que este envelope é tão pequeno. é um cheque milhonário?
(ri)
- o último pedaço do pergaminho sagrado onde foram escritos os mandamentos
- amor, os mandamentos foram em pedras...
- é... eu sabia, eu só queria brincar.
- mas... e aí?
- não sei...
- não vai abrir?
(vacila um pouco)
- parece muito importante? quanto menor mais importante, não é?
(o olha, deixando um sorriso tomar conta da face)
- abre.
- é um pedido?
- é um presente.
- que tipo de presente?
- do tipo que se ganha e não se faz mais perguntas.
- do tipo que se abre?
- é, do tipo que se abre.
- tá bom...
(os olhos brilham)
(abre)
(o olhos brilham como nunca)
- é... teu nome...?
- ... te amo.


dormir é o que me resta
sonhar é só o que posso fazer.


cala a minha boca com o dedo antes que eu diga qualquer outra besteira
agora me pergunta qual a pergunta certa
e eu penso um pouco antes de responder qual é a pergunta certa
:
- pra que falar?

... beijo


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